Duas pérolas de Tirandentes: “Histórias que o Nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, e “Guerra do Paraguay”, de Luiz Rosemberg Filho.
Dois filmes ancorados, de diferentes formas, na história.
No primeiro, os parênteses no Não fazem lembrar o Vieira evocado por Manuel de Oliveira: terrível palavra é o non.
Ele nega em todas as direções.
Eis o fato: a diretora conta uma história do Brasil dos anos 70 a partir dos filmes populares do período, preferencialmente comédias eróticas.
Daí o rebu, que devemos a Freud. O sexo está na base de nossa vida psíquica, mas falar dele e, sobretudo, mostrá-lo, nos leva a uma espécie de cegueira.
Podemos perdoar se vem cercado de uma aura cultural (Carlão e outros). Mas esse outro, direto, raso, parece que provoca uma espécie de cegueira (aliás, Carlão também provocou: foi resgatado pela Europa, não pelo Brasil: nunca esquecer).
O fato é que Fernanda Pessoa percebeu o que existe de invisível no visível. Numa série de 30 filmes escolhidos por ela, dos mais variados, do melhor (Antonio Calmon) ao pior, vemos surgir ali o que não se via: o consumismo na era do “milagre”, o respeito ao dólar, a tortura, as greves, o culto do dinheiro, a irrupção do desejo feminino, o divórcio, o culto ao automóvel e a crise do petróleo.
Resumindo, mais ou menos tudo que houve de relevante no período estava lá. Por que não víamos? O fato é que não víamos. O refúgio habitual era o “machismo” dos filmes ou outra desculpa do gênero.
“Histórias que nosso…” mostra que a coisa não era tão simples assim. Pior: que esse cinema popular era também uma bela maneira de falar das coisas do seu presente, bem mais do que mero exercício de evasão.
Já “Guerra do Paraguay” reencontra o humanismo de Luiz Rosemberg num de seus melhores momentos. Poucos e longos planos, assumida teatralidade, num confronto que envolve, basicamente, uma atriz, um soldado que volta da guerra e a irmã de atriz.
A primeira é a fala, o discurso. O segundo é a incapacidade da razão: aquele que só fala por frases feitas. A terceira é a personagem talvez mais misteriosa. Pois não é uma deficiente, como possa parecer (e como a ela se referem), mas é o além do discurso, a razão que já não pode falar, que grita.
Um filme de poucos e belos planos, com um final tão forte quanto misterioso, onde Rosemberg salta da guerra do Paraguai para a guerra em geral e para a guerra brasileira, mesclando tempos com um rigor admirável (nada de “liberdade”).
Tiradentes é isso: um festival onde se topa com maravilhas, outros filmes por vezes são tentativas ainda inacabadas e outros são, vamos falar o que é, um tanto insuportáveis.
Não vi todos, não posso falar de todos. Mas esses dois valem a viagem.